O implantologista é, normalmente, um ser orgulhoso e sensível. Tão depressa se enche o peito por conseguir uma carga imediata numa reabilitação total num osso atrófico, como se recolhe à copa da clínica escondido de todos os colegas e triste consigo próprio por ter perdido um implante.
E tudo começa naquele entusiasmo quando, depois da anestesia, o bisturi toca na gengiva e nos despachamos a tentar descolar para conseguir ver como será o osso onde vamos fazer nascer um dente!
Por isso o momento da verdade é quando se pega no implante, como se fosse uma pedra preciosa, e nos aproximamos do leito implantar. A partir daí começa uma batalha de milímetro a milímetro, Newton a Newton. É sobre esta batalha e sobre o torque que vos venho falar!
Afinal de contas, o que será mito e o que será verdade quanto ao torque?
Comecemos por alguns factos consensuais:
- Para atingir estabilidade primária é preciso evitar micro-movimentos na interface osso-implante (De Sanctis et al. 2016)
- Os micro-movimentos devem estar limitados ao intervalo de 50-150 µm, mais que isso influenciará a remodelação óssea e a osteointegração (Szmukler-Moncler et al. 2000)
- A estabilidade primária depende de factores como a quantidade e qualidade óssea, a macrogeometria do implante e a técnica cirúrgica (Javed et al. 2013)
.
- O torque influencia a sobrevivência dos implantes!
FALSO! Não podemos utilizar o torque como factor decisivo quanto à sobrevivência dos implantes (Lemos et al. 2020).
Duyck et al. (2015) mostrou que implantes colocados com mais torque obtêm mais contacto implante-osso nas primeiras semanas do que os mesmos colocados com menos torque. Contudo, após o período de cicatrização o valor de BIC (bone-to-implant contact – contacto implante osso) é semelhante independentemente do torque de inserção.
- Torque elevado significa estabilidade primária óptima!
FALSO!
Quando os micromovimentos excedem 150 µm durante a fase de cicatrização é muito provável que ocorra fibrointegração em vez de osteointegração (Gao 2012).
Então para nos sentirmos confortáveis, principalmente em cargas imediatas, temos a tendência para colocar o implante com torques mais elevados. No entanto, alguns estudos provam que torque elevado não é sinónimo de inexistência de micromovimentos e não é necessário para carga imediata (Norton 2011).
Neste estudo Norton e a sua equipa provaram que implantes unitários em carga imediata colocados com apenas 25Ncm foi suficiente para atingir taxas de sobrevivências favoráveis e uma manutenção óptima do osso marginal.
- O torque de inserção do implante influencia o protocolo de carga
VERDADE! Mas apenas quando o torque conseguido é reduzido.
Já é do senso comum de um implantologista que se preze o facto de não querer arriscar uma carga imediata sobre um (ou mais) implante(s) colocados com pouco torque.
Num estudo sobre restaurações unitárias em carga imediata, Canizzaro et al. (2012) observou uma % de falha de implantes de 14% em implantes com torque reduzido e de 0% em implantes colocados com torques mais elevados.
Ainda nas restaurações unitárias, e quando não temos mais com o que decidir, Ottoni et al. (2005) considera que só se deve ponderar carga imediata em implantes colocados com mais que 32Ncm.
Joshi et al. (2020) defende que a taxa de sobrevivência de implantes é muito alta desde que se cumpram os torques propostos por Ottoni, independentemente do protocolo de carga.
- Muito torque é sinónimo de perda óssea marginal
FALSO! Nos estudos seleccionados por Lemos et al. (2020) na sua meta-análise, quase todos referem não observar diferenças estatisticamente significativas de perda óssea marginal entre os grupos de torque elevado e baixo/normal. Contudo, é referido o artigo de Marconcini et al. (2018) que verificou mais perda óssea marginal em implantes colocados com torque elevado, relacionando esse facto com uma parede óssea vestibular fina, tal como Barone (2015) observou uma clara perda óssea marginal quando a espessura da parede vestibular é menor que 1mm.
Apesar destes dados, a perda óssea marginal é algo influenciado por factores não controláveis tornando difícil relacioná-la apenas com o torque de inserção (Chrcanovic et al. 2014).
Temos que ter em conta também qual a zona anatómica em que vamos colocar o implante, porque a resposta à compressão óssea e a própria densidade do osso difere. Quanto maior a diferença de diâmetro da última broca utilizada e o implante maior o stress a que o osso circundante estará sujeito, Turkyilmaz (2008) defende que a sub-preparação seja apenas feita na região posterior da maxila onde o osso é normalmente menos denso. Se ultrapassarmos o limite fisiológico de osteocompressão em ossos mais densos activaremos a reabsorção óssea (Jimbo et al. 2015).
- A macrogeometria do implante afecta o torque de inserção
VERDADE! Mas não era preciso ler este artigo para o saber, no entanto há alguns pontos que precisamos de ter em conta:
- apesar de se conseguir obter uma boa estabilidade primária em ambos, os implantes cónicos conseguem torques de inserção mais elevados que implantes cílindricos (George et al. 2015)
- ao passo que o diâmetro do implante influencia o seu torque de inserção, o seu comprimento NÃO!
Conclusão
A taxa de sucesso dos implantes dentários é já muito elevada, como se mostra na literatura científica. Mas é sempre possível melhorar e avaliar outros factores mecânicos e biológicos para ainda assim reduzir a taxa de insucessos.
As duas medidas de estabilidade dos implantes: primária e secundária estão directamente relacionadas com o torque de inserção.
O torque de inserção é influenciado por:
– geometria do implante
– protocolo cirúrgico
– habilidade do operador
– qualidade e quantidade óssea
Está provado que a estabilidade do implante é determinante para o seu sucesso.